Um campo relativamente desconhecido da ciência vem ganhando espaço e estudos nos últimos anos: a biologia quântica.
Não, não se trata de pseudociência, mas sim de uma unificação inusitada entre a mecânica quântica, que trata do comportamento das partículas mais diminutas existentes, e a biologia, que estuda o funcionamento de todos os seres vivos.
A área não é exatamente nova, mas seu crescimento foi lento: o que lançou as bases para essa investigação híbrida como um campo de estudos em si foi uma instigação do físico Erwin Schrödinger, famoso pelo experimento teórico do gato vivo e morto ao mesmo tempo, em 1944.
No livro O que é vida?, o cientista escreveu um capítulo chamado A vida se baseia nas leis da física?, onde afirma que os organismos multicelulares não são de “grosseira manufatura humana”, mas sim “a mais requintada obra-prima já realizada pelas leis da mecânica quântica”. Foi só em 1956, no entanto, que o primeiro artigo citando biologia quântica foi escrito — com um impacto, no entanto, praticamente nulo.
Um segundo artigo tratando do conceito só saiu 5 anos depois, e a produção continuou tímida até 2007, quando um artigo com autoria principal do químico Graham Fleming, que tratou da transferência de energia por coerência quântica na fotossíntese, foi publicado.
Mesmo que o conceito já houvesse sido citado em um artigo anterior, de 1994, esse foi o marco principal do campo, que firmou a biologia quântica na comunidade científica.
Como a mecânica quântica se liga à biologia?
É interessante entendermos melhor o assunto dividindo-o em partes: a mecânica quântica, parte integral dessa ciência, é uma das grandes áreas estudadas pela física, tratando do comportamento de partículas atômicas e subatômicas.
Ela se difere da relatividade geral, que trata de corpos maiores, afetados pela gravidade, como os planetas.
Anteriormente, acreditava-se que biologia e química — e seus processos químicos e bioquímicos — não fossem contemplados pela mecânica quântica, apesar de acontecerem na escala da qual a área trata.
Os processos biológicos seriam complexos e ruidosos demais para isso. Os processos quânticos precisam ser estáveis, o que a ciência chama de coerência de ondas.
Ao mesmo tempo, na biologia, havia um grande mistério: como os elétrons viajavam pelas moléculas para impulsionar fenômenos como a fotossíntese?
Estruturas biológicas são péssimas condutoras de energia, e aumentos súbitos de temperatura matariam as células. Os elétrons, então, precisariam estar utilizando um processo simples e que não exigia muita energia.
E é aí que a mecânica quântica entra.
Uma proteína, chamada Fenna-Matthews-Olson (FMO) e que se encontra em bactérias de enxofre verde, presentes no fundo de lagos e oceanos, é uma das antenas usadas por organismos fotossintetizantes, já que é formada, em partes, por moléculas de clorofila.
Quando a radiação solar chega a essas bactérias — via fótons —, sua energia se transforma em excitação nas moléculas dos pigmentos de clorofila, sendo transferida de pigmento em pigmento até virar energia química.
Essa energia é transferida por meio de um efeito conhecido como… coerência quântica! Bingo.
O melhor de tudo é que a perda de energia é quase nula, chegando a uma eficiência próxima a 100%.
A interação entre os pigmentos fotossensíveis e os fótons gera um estado excitado, e sua energia cria um par elétron-buraco, um ente quântico chamado éxciton.
Ele é transferido, resumidamente, até o centro de reação, liberando o elétron para converter energia elétrica em energia bioquímica.
Centenas de pigmentos, através desse processo, vão gerando energia para o centro de reação, alimentando a fotossíntese — ao menos segundo algumas teorias.
Isso é considerado um comportamento de onda, com empurrõezinhos das vibrações moleculares, mantendo a energia graças à coerência quântica.
Embora o processo inteiro ainda seja discutido em diversos artigos e seja complexo e controverso (a explicação dada anteriormente não é consenso), não há dúvidas de seu início, causado pela luz solar chegando à clorofila.
Qual a importância do tema?
Embora os processos da biologia quântica sejam complicados e ainda muito teóricos — o exemplo da fotossíntese é apenas um dos vários já estudados —, os cientistas esperam que ela possa ajudar na medicina e na melhoria de materiais como células solares.
Entender os processos quânticos poderá nos ajudar a entender o mecanismo de doenças e como lidar melhor com elas.
Além disso, a biologia quântica pode nos ajudar entender a resposta de células vasculares a diferentes tipos de lesão, por exemplo, já que envolvem processos de oxirredução (transferência de elétrons) e como eles podem modular essas respostas.
Entender os processos biológicos do nosso corpo sob a luz da mecânica quântica pode nos ajudar a entender até mesmo como — e por que — estamos vivos. As respostas para essas perguntas, no entanto, ainda ficarão para o futuro.
Via Canaltech