A microdosagem de ayahuasca despertou o interesse dos biohackers pelos seus supostos benefícios terapêuticos, mas esse comportamento levanta questões éticas científicas e culturais.
Há algum tempo, a microdosagem de psicodélicos vem sendo alvo de estudos visando explorar seu potencial terapêutico. Dentre as substâncias que despertam curiosidade quanto aos efeitos na mente humana, está a ayahuasca.
Uma mistura de diferentes plantas, como a videira Banisteriopsis caapi, Psychotria viridis e Diplopterys cabrerana. Essa combinação específica tem ganhado popularidade entre os biohackers do Brasil.
O biohacking consiste em modificar o corpo humano e aprimorar seu funcionamento biológico através de técnicas, intervenções e mudanças no estilo de vida. Os biohackers são pessoas que se dedicam a explorar e experimentar diversas abordagens, como suplementação alimentar, terapia hormonal, utilização de dispositivos tecnológicos e dietas específicas, entre outras intervenções, visando alcançar o máximo potencial biológico.
A prática da microdosagem de psicodélicos envolve o consumo de quantidades mínimas dessas substâncias, insuficientes para desencadear uma experiência psicodélica completa.
Mas que supostamente podem proporcionar benefícios cognitivos.
Na comunidade científica, há uma variedade de estudos focados em explorar o potencial terapêutico de psicodélicos como LSD e cogumelos.
No entanto, o fenômeno emergente da microdosagem da ayahuasca vai além dos limites convencionais da investigação científica e levanta questões éticas e possíveis riscos.
Essa bebida é tradicionalmente empregada em cerimônias religiosas e rituais espirituais por certas culturas indígenas da Amazônia, especialmente na região da América do Sul.
As plantas usadas na fabricação dessa bebida contêm altos níveis de dimetiltriptamina (DMT), uma substância psicoativa poderosa que, quando ingerida oralmente, é ativada pelas beta-carbolinas da Videira caapi, permitindo sua absorção pelo corpo e gerando efeitos psicodélicos.
A preparação dessa bebida é uma prática sagrada para muitas culturas indígenas amazônicas, sendo utilizada de forma religiosa com o objetivo de alcançar conhecimento espiritual e estabelecer contato com os ancestrais.
Microdosagem de ayahuasca envolve questões éticas
No entanto, a ausência de regulamentação e pesquisas científicas abrangentes sobre os efeitos a longo prazo da microdosagem gera preocupações éticas.
Médicos e especialistas alertam que a automedicação sem uma orientação profissional adequada pode resultar em consequências adversas para a saúde mental e física.
De acordo com Juliano Sanches, doutorando em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp, que estuda o movimento biohacking no Brasil, “embora haja evidências preliminares promissoras sobre os benefícios terapêuticos dos psicodélicos, devemos ser cautelosos e respeitar os protocolos de pesquisa para garantir a segurança e a eficácia dessas substâncias“.
Além dos riscos individuais, também aborada-se questões de apropriação cultural e a falta de reconhecimento dos conhecimentos das comunidades indígenas.
Nesse sentido, pode-se interpretar que a prática de microdosagem fora desse contexto é uma forma de apropriação, desconsiderando a sabedoria ancestral dessas comunidades.
Os potenciais benefícios terapêuticos dos psicodélicos
A ciência já indicou que o LSD tem o potencial de reativar a cognição quando prescrito e utilizado sob a supervisão de especialistas. Em um estudo realizado em 2022, destacou-se não apenas o potencial dessa substância em particular, mas também de outras drogas psicotrópicas, que têm a capacidade de “reabrir” o cérebro para novas formas de aprendizagem.
Além disso, em um estudo publicado na revista Neuropsychopharmacology, pesquisadores iniciaram testes para investigar os efeitos terapêuticos da combinação de LSD e MDMA. A descoberta revelou que essa mistura pode intensificar os efeitos positivos no humor e reduzir a ansiedade associada à resposta ao LSD.
O mecanismo de ação da ayahuasca no cérebro
Em março, pesquisadores publicaram um estudo na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), que revelou o mecanismo de ação da ayahuasca no cérebro. O componente ativo dessa substância induz a um aumento na conectividade cerebral (hiperconectividade), promovendo a interação entre neurônios e envolvendo até mesmo regiões normalmente distantes.
De acordo com o estudo que investigou a ayahuasca e o cérebro, quando um voluntário era exposto ao DMT, ocorria uma desregulação pronunciada de certos ritmos cerebrais que normalmente seriam predominantes.
Na prática, o funcionamento do cérebro mudava completamente para um estado anárquico, permitindo que áreas específicas relacionadas à imaginação operassem de modo incomum.
Fonte: PNAS, New Scientist, Healthline