Vírus antigos que infectaram vertebrados há centenas de milhões de anos desempenharam um papel fundamental na evolução de nossos cérebros avançados e corpos grandes, afirmou um novo estudo.
A pesquisa, publicada na revista Cell, examinou as origens da mielina.
Uma camada isolante de tecido adiposo que se forma ao redor dos nervos e permite que os impulsos elétricos viajem mais rapidamente.
Segundo os autores, uma sequência genética adquirida a partir de retrovírus (vírus que invadem o DNA do seu hospedeiro) é crucial para a produção de mielina. E atualmente, esse código genético está presente em mamíferos, anfíbios e peixes modernos.
“O que considero mais notável é que toda a diversidade de vertebrados modernos que conhecemos e o tamanho que alcançaram: elefantes, girafas, sucuris, rãs-touro, condores, não teriam acontecido.”
Disse o autor sênior e neurocientista Robin Franklin, do Altos Labs-Cambridge Institute of Science, à AFP.
Uma equipe liderada por Tanay Ghosh, biólogo computacional e geneticista do laboratório de Franklin, vasculhou bancos de dados de genoma para tentar descobrir a genética que provavelmente estava associada às células que produzem mielina.
Especificamente, ele tinha interesse em explorar misteriosas “regiões não codificadas” do genoma que não têm função óbvia e que antes eram descartadas como lixo. Mas, que agora reconhecidamente as entendemos como tendo importância evolutiva.
A pesquisa de Ghosh chegou a uma sequência específica derivada de um retrovírus endógeno, há muito escondido em nossos genes, que a equipe apelidou de “RetroMyelin”.
Para testar a sua descoberta, os investigadores realizaram experiências nas quais derrubaram a sequência do vírus RetroMyelin em células de rato e descobriram que já não produziam uma proteína básica necessária para a formação de mielina.
Reações mais rápidas, corpos maiores, graças ao vírus
Em seguida, procuraram sequências semelhantes à RetroMyelin nos genomas de outras espécies, encontrando códigos semelhantes em vertebrados com mandíbula – mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios – mas não em vertebrados ou invertebrados sem mandíbula.
Isto os levou a acreditar que a sequência apareceu na árvore da vida na mesma época que as mandíbulas, que evoluíram pela primeira vez há cerca de 360 milhões de anos, no período Devoniano, chamado de Era dos Peixes.
“Sempre houve uma pressão evolutiva para fazer com que as fibras nervosas conduzissem impulsos elétricos mais rapidamente”, disse Franklin. “Se eles fizessem isso mais rápido, então você poderia agir mais rápido”, acrescentou. O que é útil tanto para predadores que tentam pegar coisas quanto para presas que tentam fugir.
A mielina permite a condução rápida do impulso sem aumentar o diâmetro das células nervosas, permitindo que elas sejam compactadas mais próximas umas das outras.
Também fornece suporte estrutural, o que significa que os nervos podem crescer mais, permitindo membros mais longos.
Na ausência de mielina, os invertebrados encontraram outras formas de transmitir sinais mais rapidamente – as lulas gigantes, por exemplo, desenvolveram células nervosas mais largas.
Finalmente, a equipe queria saber se a infecção retroviral aconteceu uma vez, em uma única espécie ancestral, ou se aconteceu mais de uma vez.
Eles usaram métodos computacionais para analisar as sequências de RetroMyelin de 22 espécies de vertebrados com mandíbula.
E assim, descobriram que as sequências eram mais semelhantes dentro das espécies do que entre espécies, o que sugeria múltiplas ondas de infecção.
Mais descobertas aguardam?
“Temos a tendência de pensar nos vírus como patógenos ou agentes causadores de doenças”, disse Franklin.
Mas a realidade é mais complexa, disse ele. Acrescentando que “em vários momentos da história, os retrovírus entraram nos genomas e integraram-se nas células reprodutivas das espécies. Fazendo com que os transmitissem às gerações futuras.”
Um dos exemplos mais comuns é a placenta. Uma das características definidoras da maioria dos mamíferos. A qual adquirimos de um agente patogênico incorporado no nosso genoma no passado remoto – e que provavelmente ainda tem muitas descobertas à espera, disse Ghosh.
Brad Zuchero, neurocientista da Universidade de Stanford não afiliado à pesquisa, disse que isso “preenche uma peça importante do quebra-cabeça sobre como a mielina surgiu durante a evolução”. E chamou o artigo de “emocionante e esclarecedor”.
Fonte: © Agência France-Presse, adaptado de ScienceAlert.