Estudo associa mortes precoces ao consumo de alimentos ultraprocessados

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Consumo de alimentos ultraprocessados é associado a 57 mil mortes em um ano no Brasil

Cruzamento de informações permitiu estimar que mortes prematuras estão associadas a doenças crônicas causadas pelo consumo de alimentos industrializados, com aditivos e pouco valor nutricional.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), junto com dados de mortalidade dos brasileiros, permitiram a pesquisadores calcular o impacto do consumo de ultraprocessados na população.

O artigo publicado na revista científica American Journal of Preventive Medicine estima que 57 mil pessoas morrem prematuramente a cada ano por consumirem alimentos ultraprocessados.

Algo que corresponde a aproximadamente 10,5% de todas as mortes precoces de adultos entre 30 e 69 anos no Brasil.

Lembrando que a OMS (Organização Mundial da Saúde) considera morte prematura abaixo dos 70 anos.

O conceito de morte prematura por doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) é definido pela (OMS) como: a probabilidade de morrer entre 30 e 70 anos em decorrência de doenças cardiovasculares, câncer, diabete e doenças respiratórias crônicas.

Segundo o professor Leandro Rezende, um dos autores da pesquisa, filiado ao Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, já existem evidências suficientes nos estudos epidemiológicos que associam o aumento de consumo de ultraprocessados com o risco de se desenvolver as DCNT.

Ele também inclui o excesso de peso e a obesidade por conta da ingestão de ultraprocessados como fatores que contribuem para uma pessoa desenvolver essas patologias.

Comer ultraprocessados mata mais que a violência no país

Em outro recorte comparativo, o de mortes por doenças não transmissíveis e evitáveis (doenças cardiovasculares, diabetes, câncer) os pesquisadores observaram que 20,8% tiveram relação com esses alimentos que contém ingredientes que fazem mal à saúde.

Comer mal mata mais que a violência no país.

Para se ter ideia, o número de mortes violentas em 2021  – homicídios e latrocínios, por exemplo – no Brasil foi de 47,5 mil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, documento divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os achados servem como alerta.

Já que o consumo de ultraprocessados cresceu 20% nos últimos dez anos no país, representando entre 13% e 21% na alimentação dos brasileiros.

“Buscamos quantificar, mostrar a prioridade pública que é a questão dos ultraprocessados no Brasil, isso é uma questão mundial. É muito importante de encarar isso como problema de saúde pública, trabalhar em políticas que favoreçam escolhas saudáveis a partir do padrão alimentar, é isso que vai preservar o que temos de cultura alimentar brasileira.”

Em entrevista ao R7, disse o autor do estudo, Eduardo Nilson.

Segundo o especialista, “essa dieta tradicional é muito saudável e não deve ser substituída pelos ultraprocessados, que têm todas as suas consequências em termos de mortes, mas são alimentos que também têm um perfil nutricional pior”.

A dieta tradicional a que ele se refere é o famoso arroz, feijão, proteína e salada. Entretanto, muita gente tem optado por macarrão instantâneo, lasanha congelada e uma série de refeições vendidas como práticas nos supermercados.

Esses alimentos, que incluem também refrigerantes, biscoitos, chocolates, sorvetes, bebidas lácteas, entre outros, possuem uma série de aditivos químicos que influenciam na obesidade e no desenvolvimento de doenças como diabetes e hipertensão.

Os principais vilões são sódio, gordura e açúcar, mas não são os únicos, lembra Nilson.

“Pensando nos mecanismos que os ultraprocessados levam a esse risco de doença e morte, eles vão ser muitos deles mediados pelo que a gente chama de nutrientes críticos –  sódio, gordura e açúcar. Mas não podemos ficar focados só nisso, porque pelo próprio processo de industrialização, ele acaba destruindo a matriz do alimento, tem os aditivos alimentares. Tudo isso afeta a absorção de nutrientes, de microbiota intestinal, causa inflamação.”

A metodologia do estudo

Para chegar ao resultado, os pesquisadores utilizaram dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE, que tem informações sobre a dieta das pessoas. Eles conseguiram filtrar o consumo de ultraprocessados, segundo a classificação NOVA.

“Usamos metodologias de modelagem que são parecidas com o próprio estudo de carga global da doença, em que você tem um fator de risco e o associa com o desfecho em saúde usando o risco relativo que tem na literatura, que é uma evidência robusta, e dados do seu contexto de análise: população, morte e consumo de ultraprocessados. A partir daí, usamos esses métodos para ver qual é a fração atribuível: dentro de todos os fatores de risco que afetam as mortes totais, por exemplo, quantos por cento são específicos associados ao consumo de ultraprocessados”, detalha o pesquisador.

O grupo também estimou que reduzir o consumo de ultraprocessados entre 10% e 50% poderia salvar entre 5.900 e 29.300 vidas, respectivamente, a cada ano.

“Se mantivéssemos o consumo que tínhamos há uma década, seriam 12 mil mortes a menos dentre todas aquelas”, exemplifica Nilson.

Escolhas alimentares, ultraprocessados e a obesidade

O Nupens leva em conta o que chama de padrão alimentar, que leva em conta, além da escolha individual, o que está disponível e é acessível em termos de renda para cada grupo da população.

Sabe-se, por exemplo, que nos Estados Unidos as pessoas com insegurança alimentar tendem a recorrer a alimentos industrializados, em detrimento dos naturais ou minimamente processados, porque são mais baratos.

Este é um cenário que se reproduz também no Brasil e que tem impacto no excesso de peso.

“Historicamente, a gente observa no Brasil que se aproximam cada vez mais as prevalências tanto de sobrepeso quanto de obesidade nas populações mais pobres em relação às mais ricas. Isso tem uma relação direta com a qualidade da dieta. É uma tendência que é muito similar à americana, em que a gente vê mais latinos, negros, imigrantes [com obesidade]. Os públicos de menor renda são aqueles que apresentaram maior aumento de excesso de peso ao longo das últimas décadas no Brasil”, complementa Eduardo Nilson.

Culpar o indivíduo é algo injusto, na avaliação do pesquisador do Nupens. Porque o poder público também tem o papel de evitar o adoecimento da população por meio de políticas que estimulem um estilo de vida saudável, incluindo a alimentação.

Uma forma de se fazer isso é por meio da informação. No mês passado, entraram em vigor as novas regras de rotulagem de alimentos, um passo importante na visão de especialistas.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passa a obrigar que as embalagens tenham na parte da frente avisos de níveis de sódio, gordura e açúcar acima do máximo estabelecido.

Políticas públicas em relação ao ultraprocessados

Mas só isso não é suficiente.

O especialista considera que é necessário mais atenção em relação à propaganda e medidas como aumento de impostos de produtos como refrigerantes.

A indústria também precisa receber incentivos para a produção de alimentos mais saudáveis, acrescenta o pesquisador.

“A indústria já trabalha isso com nichos específicos, de alimentos sem aditivos, ingredientes naturais, mas ao mesmo tempo também tem opções falsamente saudáveis. Por exemplo, o fato de ser integral, que muitas vezes não deixa de ser um ultraprocessado.”

O país possui um ponto de partida para ampliar ações nessa área: o Guia Alimentar para a População Brasileira.

Além de ser uma ferramenta de uso individual, também é essencial quando se pensa no coletivo, como a merenda escolar.

Na visão do pesquisador do Nupens, políticas de combate à fome devem ter como base a agricultura familiar e alimentação saudável.

Os próximos passos do grupo incluem novas pesquisas para quantificar, não apenas as mortes, mas também os impactos econômicos do consumo de alimentos ultraprocessados.

Já que as doenças causadas por uma dieta ruim causam internações hospitalares, faltas ao trabalho e afastamentos previdenciários.

Fontes: Jornal da USP e Correio do Povo

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