Como e porque os modernos chips implantados no cérebro para fins medicinais podem mudar nossa consciência e personalidade? E o quanto esses implantes cerebrais mudam o nosso comportamento?
Essas são algumas das perguntas que esse texto começa a esclarecer.
Se você acha que apenas a Neuralink, empresa de Elon Musk, está trabalhando em um chip de computador a ser implantado no cérebro humano, está redondamente enganado. Ela é apenas uma de muitas companhias se aventurando nessa área, e, enquanto a startup do bilionário segue adiando os testes clínicos (o último prazo é para este semestre), outras já conseguiram fazer sua própria série de experimentos.
As motivações de uso, inclusive, variam bastante. Um dos principais motivos para usar chips cerebrais é o médico, ajudando pessoas paralisadas a se comunicar e até andar novamente ou amputados a utilizarem membros eletrônicos, por exemplo. No caso da Neuralink, os fins são mais simples, podendo ser até mesmo apenas um “Fitbit no crânio”, ou seja, um monitor de atividades físicas embutido.
Como os chips mexem com o cérebro
Como os sinais cerebrais são convertidos em saídas digitais, isso abre a possibilidade de mexer o cursor do mouse, escrever mensagens ou pesquisar na internet apenas com o pensamento. Isso é o que chamamos de interface computador-cérebro, ou ICC. Como o uso médico desses implantes já vem sendo pesquisado há um bom tempo, já temos alguma ideia de como interagem com nosso órgão pensante — e todas as questões éticas envolvidas.
Mas o quanto os implantes mudam o nosso cérebro? Mais de 200.000 pessoas por todo o mundo utilizam aparelhos no cérebro, em sua maioria por razões médicas. Um exemplo são os implantes cocleares, que recuperam a audição de indivíduos com problemas auditivos. Com inteligência artificial e tecnologias que permitem dimensionamento de aparelhos, no entanto, pacientes de condições como Parkinson têm dispositivos que até mesmo interceptam sinais neurais de epilepsia e utilizam descargas próprias para evitar o incidente.
Em muitos casos, as mudanças trazidas pelos chips são positivas. Doenças relacionadas à demência fazem com que pacientes percam o senso de si próprios, o que é devolvido pela ICC — são coisas como identidade e consciência do que podemos ou não podemos fazer. Tratando a causa da patologia, o senso de si retorna. A autenticidade retirada por doenças como a depressão ou transtorno obsessivo-compulsivo também retorna, segundo relatos.
Efeitos adversos
Efeitos adversos bizarros ou não intencionais também surgem, no entanto. Noções de identidade, agência, autonomia, autenticidade e consciência de si são obscuras, compactas e opacas, na verdade, sem uma definição muito concreta. Alguns pacientes relataram mudanças de personalidade ou expressão da própria sexualidade, notando que ainda sentem ser eles mesmos, mas ainda assim, diferentes de como eram antes do implante.
Certos indivíduos até mesmo tiveram a sensação de que poderiam fazer coisas que não podiam antes, e uma mulher relatou ter se machucado ao tentar levantar uma mesa de bilhar que acreditava ter a capacidade de erguer só com a força física. A alienação de si, quando é benéfica à saúde, até pode ser positiva, mas nem sempre o é. Casos extremos envolvendo tentativas de suicídio não são positivos, é claro.
Para quem tem uma condição médica de tratamento urgente, os efeitos adversos podem ser relevados, mas com empresas como a Neuralink e o advento de ICCs para uso popular, a coisa muda de figura. Assim como há preocupações acerca de pessoas ficando viciadas em seus smartphones, o vício a aparelhos implantados também gera polêmicas. Um paciente, por exemplo, ficou com paralisia de decisões, ou seja, precisava consultar o seu dispositivo antes de decidir fazer qualquer coisa.
Éticas e polêmicas
Um aparelho que nos ajuda a tomar decisões pode ser bom, mas quando tudo cai nas mãos dele, nossa autonomia é suplantada, e saímos da equação. Ainda somos nós mesmos, nesse caso? Há, ainda, relatos de pessoas que caíram em depressão ao perder seus aparelhos, tanto porque expiraram ou porque a empresa que os implantou ficou sem verbas. Isso pode acabar se tornando comum no futuro.
Além da questão da perda de suporte, há a privacidade. Mesmo chips utilizados para controle de próteses captam ruídos do nosso pensamento, transmitidos sem nossa intenção. Eles podem ser decifrados, e ficam guardados em algum lugar da nuvem. Como lidar com a ética disso? Dados como esses podem ser até mesmo hackeados.
Novamente, para quem tem condições médicas paralisantes, talvez o custo-benefício ainda possa ser bom o suficiente para não se preocupar com a ética de tudo isso, mas para quem só quer um Fitbit mais prático, pode não valer a pena.
Cada vez mais discutiremos questões como essas à medida que a tecnologia evolui.
A questão não é se — é quando.
Fonte: CanalTech
Escrito por Augusto Dala Costa, edição de Luciana Zaramela