Solidão: os benefícios para a saúde de ser antissocial

quando a solidão faz bem; solidão consciente; solitude; benefícios da solidão; benefícios para a saúde de ser antissocial; ser antissocial faz bem; novas pesquisas em psicologia sobre sociabilidade

Ser uma pessoa antissocial traz potenciais benefícios para a saúde, entenda

A tendência de evitar a solidão é comum, mas pesquisas recentes indicam que existem vantagens em apreciar o tempo sozinho, incluindo o estímulo à criatividade, a promoção da saúde mental e até mesmo o aprimoramento das habilidades de liderança.

Embora eu possa ser sociável quando necessário, devo admitir que, às vezes, secretamente, sinto alívio quando eventos sociais são cancelados. Após algumas horas de interações sociais, sinto-me frequentemente nervoso. Certa vez, até participei de um retiro silencioso de meditação de dez dias, não por causa da meditação, mas sim pela tranquilidade do silêncio.

Nesse sentido, compartilho da perspectiva da escritora Anneli Rufus, que escreveu em seu trabalho “Festa de Um: O Manifesto dos Solitários”: “Quando os pais puniam seus filhos na TV, mandando-os para o quarto, eu ficava confusa. Eu adorava meu quarto. Passar o tempo lá era um presente. Para mim, a punição era ser forçada a brincar com meu primo Louis”.

Características antissociais como essas geralmente não são consideradas ideais.

De fato, muitas pesquisas apontam para os problemas associados ao isolamento social, que é considerado um grave problema de saúde pública em sociedades com populações envelhecendo rapidamente.

No Reino Unido, o Colégio Real de Médicos Gerais adverte que a solidão representa um risco de mortalidade prematura no mesmo nível da diabetes. Relações sociais sólidas são cruciais para o funcionamento cognitivo, a capacidade motora e um sistema imunológico saudável.

Essa conexão é especialmente evidente em casos de isolamento social extremo, como pessoas mantidas em cativeiro, crianças criadas em orfanatos negligentes e prisioneiros submetidos à reclusão. Todos esses exemplos mostram como a solidão prolongada pode levar a alucinações e outros distúrbios mentais.

No entanto, é importante observar que esses são casos severos e involuntários. Para aqueles de nós que preferem desfrutar do tempo sozinhos, pesquisas recentes trazem boas notícias: há benefícios em ser recluso, tanto para nossa vida profissional quanto para nosso bem-estar.

Fertilidade Criativa

Um dos principais benefícios é o estímulo à criatividade. O psicólogo especializado em criatividade, Gregory Feist, da Universidade Estadual da Califórnia em San Jose, define criatividade como o ato de pensar ou agir com originalidade e utilidade. Ele descobriu que traços de personalidade comumente associados à criatividade incluem abertura à novas ideias e experiências, autoeficácia (confiança) e autonomia (independência), todos os quais envolvem uma “falta de conformidade com normas sociais” e uma “preferência por momentos de solidão”.

De fato, a pesquisa de Feist com artistas e cientistas revela que uma das principais características das pessoas criativas é seu menor interesse pela socialização. Isso se deve, em parte, ao fato de que essas pessoas frequentemente dedicam longas horas ao trabalho solitário em suas criações. Além disso, muitos artistas buscam compreender o seu mundo interior e as experiências pessoais internas que desejam expressar em sua arte.

A solidão proporciona o ambiente de reflexão e observação necessário para esse processo criativo.

Uma recente defesa desse ponto de vista foi apresentada pela psicóloga Julie Bowker, da Universidade de Buffalo, que pesquisa o distanciamento social. O afastamento social geralmente é categorizado em três tipos: a timidez decorrente de medo ou ansiedade, a evitação de interações sociais devido à aversão a elas e a insociabilidade, que é a preferência pela solidão.

Um estudo conduzido por Bowker e seus colegas foi o primeiro a mostrar que um tipo de distanciamento social pode ter um efeito positivo – eles descobriram que a criatividade estava diretamente relacionada à insociabilidade. Além disso, constataram que a insociabilidade não estava associada à agressividade, mas sim à timidez e à evitação.

Isso é relevante porque, embora pesquisas anteriores tenham sugerido que a insociabilidade poderia ser prejudicial, Bowker e sua equipe demonstraram que ela pode ser benéfica. Pessoas com inclinações antissociais geralmente buscam o equilíbrio certo entre o isolamento e a interação social. “Elas preferem estar sozinhas, mas também não se importam em estar com outras pessoas”, observa Bowker.

É importante destacar que há variações de gênero e cultura nesse contexto. Por exemplo, algumas pesquisas indicam que crianças antissociais na China enfrentam mais dificuldades interpessoais e acadêmicas do que as crianças antissociais no Ocidente. No entanto, essas diferenças estão diminuindo à medida que o mundo se torna mais globalizado. Portanto, fica claro que a solidão desempenha um papel importante em diversos aspectos, não se limitando apenas à criatividade.

Introspecção e Foco

Acredita-se que os líderes devam ser extrovertidos, mas essa ideia varia conforme a personalidade dos líderes e outros fatores. Um estudo de 2011 revelou que em restaurantes de uma rede de pizzarias, quando os funcionários eram mais passivos, chefes extrovertidos estavam associados a lucros mais altos. No entanto, quando os funcionários eram mais proativos, líderes introvertidos se mostraram mais eficazes.

Isso ocorre porque pessoas introvertidas tendem a ser menos ameaçadas por personalidades fortes e sugestões, além de terem uma inclinação maior para ouvir. Desde tempos antigos, as pessoas reconhecem a conexão entre o isolamento e o foco mental. Culturas com tradições de ermitões religiosos sempre consideraram a solidão como um componente essencial para alcançar a iluminação espiritual.

Pesquisas recentes aprofundaram nossa compreensão dos benefícios da solidão.

Uma das vantagens da insociabilidade é que ela permite ao cérebro descansar das atividades mentais constantes, o que está intimamente relacionado à tranquilidade de estar sozinho. Quando estamos na companhia de outras pessoas, nosso cérebro tende a se manter ativo, pois estamos naturalmente atentos à interação. Isso pode ser uma distração positiva, mas ainda é uma distração.

Por outro lado, a solidão estimula a chamada rede de reflexão do cérebro, que desempenha um papel fundamental na consolidação da memória e na compreensão das emoções dos outros. Permitir que a mente divague, na ausência dessas distrações, não só contribui para o foco a longo prazo, mas também fortalece a autoconsciência, bem como a compreensão dos outros. Assim, de forma paradoxal, períodos de solidão podem aprimorar a capacidade de interagir socialmente posteriormente, e a ocasional falta de foco pode beneficiar a concentração a longo prazo.

Outra defensora dos benefícios da solidão reflexiva e produtiva é Susan Cain, autora de “Quieto: O Poder dos Introvertidos em um Mundo Que não Consegue Parar de Falar” e fundadora da “Revolução Quieta”, uma organização que promove ambientes de trabalho adequados aos introvertidos.

Cain argumenta: “Hoje em dia, tendemos a acreditar que a criatividade é resultado de um processo decididamente comunitário, mas ela requer muita atenção sustentada e um profundo foco“.

Além disso, destaca que os seres humanos são naturalmente influenciados pelas pessoas ao seu redor, o que leva a uma conformidade automática com suas opiniões e preferências estéticas. Para verdadeiramente seguir nossos caminhos e visões, devemos estar dispostos a nos isolar, pelo menos por um período de tempo.

Saúde e Hermitã

No entanto, a linha entre a solidão benéfica e o isolamento prejudicial é tênue. “Quase tudo pode ser adaptável ou mal adaptável, dependendo do extremo em que se encontra”, adverte Feist.

Uma doença está relacionada a uma disfunção. Quando alguém deixa de se importar com os outros e corta todo contato social, isso pode levar à negligência patológica das relações interpessoais. No entanto, a insociabilidade criativa está muito distante desse extremo.

Feist ressalta que “há um perigo real em estar sempre cercado de pessoas”. Tornar-se introspectivo, autoconsciente e verdadeiramente relaxado é difícil a menos que se tenha momentos de solidão ocasional. Além disso, os introvertidos tendem a cultivar poucas amizades, mas de maior qualidade, o que pode estar relacionado à sua maior felicidade.

Assim como em muitos aspectos da vida, a qualidade supera a quantidade. Nutrir algumas relações profundas, sem a necessidade de encher sua vida com interações superficiais, pode ser benéfico a longo prazo.

Portanto, se sua personalidade inclina-se para a insociabilidade, não sinta a pressão de mudar. Embora possa apresentar desafios, desde que mantenha contatos sociais regulares, escolha a solidão conscientemente e mantenha boas amizades. Assim, sua preferência pela solidão pode ser benéfica para seu bem-estar e produtividade. Não há motivo para tentar encaixar uma personalidade quadrada em um molde arredondado. Portanto, sinta-se à vontade para ajustar sua agenda social – a psicologia o apoia.

Via: G1

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *