Optar por ser mediano em vez de excepcional possui suas vantagens.
A Universidade Cornell em Ithaca, Nova York, é reconhecida por sua excelência acadêmica, sendo destacada nas principais universidades da ‘Ivy League’, grupo composto por oito das instituições mais prestigiadas dos Estados Unidos.
Andrew Greene, ao ingressar em Cornell, sentiu a pressão para se destacar, uma característica comum em faculdades de elite.
‘A ambição normalmente está enraizada em muitas pessoas nessas faculdades de alto nível’, observa Greene. Embora ame Cornell, reconhece a competitividade presente na instituição.
Essa busca incessante pela excelência não se limita ao ambiente acadêmico, estendendo-se a atividades extracurriculares como o canto a capela, uma tradição musical destacada em Cornell e até mesmo inspiração para o filme ‘A Escolha Perfeita’.
No entanto, Greene, ciente da competitividade no cenário do canto a capela, percebeu que seu entusiasmo não correspondia ao talento necessário. Diante desse impasse, optou por uma abordagem diferente, criando seu próprio grupo, as ‘Mediocre Melodies’. Enfrentando resistência e descrença, o grupo não apenas se estabeleceu, mas também canalizou seus esforços para apoiar entidades beneficentes locais.
Por que mediano é uma palavra ruim?
“Por que precisamos ser excepcionais para progedir?”, questiona Thomas Curran, professor de psicologia e ciências do comportamento da London School of Economics (LSE) e autor do livro The Perfection Trap (“A armadilha da perfeição”, em tradução livre).
Thomas Curran questiona a associação negativa com a palavra ‘mediano’ e o culto ao perfeccionismo. Ele destaca um aumento significativo no chamado ‘perfeccionismo socialmente prescrito’, alertando para os impactos negativos desse padrão na saúde mental.
“O perfeccionismo socialmente prescrito nos torna obstinadamente hipervigilantes sobre o nosso desempenho em relação a outras pessoas”, explica ele.
Geralmente, não consideramos o perfeccionismo como uma falha. Nós achamos que precisamos dele para ter sucesso.
“Na verdade, observando os dados, você percebe que o perfeccionismo não tem absolutamente nenhuma correlação com o sucesso”, explica o professor.
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Pelo contrário: o perfeccionismo pode ter diversas desvantagens.
“Prevenção, contenção, procrastinação”, afirma Curran.
Podemos ter tanto medo de não parecer perfeitos que acabamos não tentando.
O perfeccionismo não é “o segredo do sucesso que muitas vezes pensamos erroneamente que seja”.
É não é só questão de nos tornar ineficientes.
“O perfeccionismo socialmente prescrito pode ter profundos impactos sobre a nossa saúde mental”, afirma Curran.
Pesquisas demonstram relações entre o perfeccionismo e o aumento dos níveis de depressão, ansiedade e burnout.
A resistência à aceitação da mediania, exemplificada por Greene, permeia diversos setores, incluindo negócios, onde a busca pela perfeição muitas vezes ignora a necessidade de cometer erros para aprender e se aprimorar.
Os chefes costumam dizer que não aceitarão da sua equipe “nada menos do que a perfeição” ou que “apenas o melhor será suficiente”.
Em teoria, parece algo bom, mas, na verdade, ignora a premissa de que, para nos aprimorarmos, precisamos cometer erros.
E, se ficarmos muito concentrados na perfeição, nosso cérebro pode perder todo o sentido de diversão e criatividade.
“Se você ficar obcecado buscando o que você entende ser a perfeição, irá criar uma enorme desvantagem para si”, afirma a coach de vida Leonaura Rhodes, originalmente formada em neurociências.
Segundo ela, os perfeccionistas vão obter uma imensa dose de dopamina quando atingirem bons resultados.
Mas obter esses picos de dopamina de uma única fonte dificulta a obtenção da mesma dose de outras fontes, ressalva Rhodes.
Ou seja, o cérebro só irá liberar dopamina quando você atingir um nível excepcional.
Por isso, como resultado, se você quiser continuar produzindo essa substância e sentindo o bem-estar gerado por ela, precisará continuar sempre se aprimorando.
“Ele (perfeccionismo) rouba das pessoas a capacidade de estar presente, ser feliz e se sentir em paz”, explica ela. “Vira luta constante.”
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Já a coach de vida com formação em neurociências, Leonaura Rhodes, destaca os efeitos nocivos do perfeccionismo no cérebro, e assim, incentiva a busca pela diversidade de experiências.
Curran propõe uma mudança na forma como medimos o sucesso, afirmando que a obsessão pelo dinheiro deve ser substituída pelo foco no bem-estar e felicidade. Ele advoga pela ‘aceitação radical’, reconhecendo os limites do controle individual e valorizando a jornada em detrimento do destino.
Andrew Greene, ao aceitar ser mediano com as ‘Mediocre Melodies’, colheu resultados surpreendentes.
O grupo não apenas conquistou o apoio da comunidade, mas também proporcionou um ambiente encorajador e autêntico aos seus membros. Ao concentrar-se na alegria e camaradagem em vez da perfeição, eles desafiaram as expectativas.
Aceitar a imperfeição pode ser transformador, permitindo viver plenamente. A verdadeira tragédia não está no fracasso, mas em perder as oportunidades de desfrutar a vida. A história de Greene e das ‘Mediocre Melodies’ ilustra como a busca pela excelência muitas vezes pode ser superada pela riqueza de experiências ao aceitar ser mediano.
Uma versão deste texto foi previamente publicada por Matthew Syed no site: BBC Brasil
*Ouça (em inglês) o episódio do programa Sideways, da BBC Rádio 4, que inspirou esta reportagem, no site BBC Sounds.