A ciência desvenda os efeitos clínicos da psilocibina, encontrada nos cogumelos mágicos.
A substância produzida por fungos do gênero Psybe, conhecida como psilocibina, obteve sucesso em testes pioneiros com humanos, revelando-se eficaz no combate à depressão e outros transtornos.
A psilocibina, extraída de cogumelos, agora está no centro de uma intensa investigação científica, onde pesquisadores buscam entender mais profundamente seus mecanismos e nuances.
Durante o congresso da Sociedade de Neurociência dos EUA, em Washington, haverá a apresentação de três novos estudos sobre experimentos com animais, somando-se a um corpo crescente de literatura acadêmica sobre o assunto.
Nos últimos dez anos, o número de artigos anuais sobre a psilocibina aumentou significativamente, de acordo com o portal Dimensions, que monitora a produção científica.
Da mesma forma, o registro de testes clínicos com a substância no portal ClinicalTrials.gov aumentou consideravelmente.
Os transtornos psiquiátricos que os médicos estão tentando tratar com a psilocibina incluem depressão, transtornos de ansiedade, dependência química, entre outros.
A substância está presente em fungos do gênero Psilocybe, conhecidos como “cogumelos mágicos“, a psilocibina permanece como uma substância de uso controlado na maioria dos países, embora seu uso recreativo seja comum .
O atual boom de pesquisa em torno da psilocibina recebeu um impulso por conta da mudança de política da FDA, a agência de vigilância sanitária dos EUA, em relação à substância. O sucesso dos testes iniciais levou a agência a conceder o status de “droga inovadora” à psilocibina em 2018, priorizando a avaliação de ensaios clínicos.
Após essa mudança, também houve o início de muitos estudos com animais. Alguns desses estudos, no entanto, passaram por atrasos devido à pandemia de Covid-19 e estão começando a mostrar resultados apenas agora.
Um desses estudos, apresentado no congresso, explica como a psilocibina pode tratar o vício em nicotina em alguns pacientes. Estudos anteriores já haviam sugerido sua eficácia em humanos, mas agora os cientistas estão usando animais para entender melhor o mecanismo de ação.
Mudança no receptor
Belle Buzzi, da Universidade Commonwealth da Virgínia (EUA), autora do estudo, examinou o efeito da psilocibina sobre a molécula 5HT2A. Um receptor específico usado pelos neurônios para processar o neurotransmissor serotonina. Usando animais geneticamente modificados, ela demonstrou que essa proteína é uma via de ação da psilocibina no tratamento da dependência química. Os animais no estudo também mostraram sinais de melhora clínica.
“A psilocibina reverteu os sinais corporais decorrentes da abstinência de nicotina em camundongos”, escreveu a cientista. “Este estudo sugere que psicodélicos clássicos, como a psilocibina, podem ser um tratamento eficaz para parar de fumar.” Embora essa descoberta seja semelhante àquela feita por um grupo da Universidade Johns Hopkins há cerca de dez anos em um estudo pioneiro com humanos, a confirmação dos mecanismos moleculares do fármaco está ajudando a reduzir o estigma em torno da droga.
“O preconceito ainda existe, mas é muito menor do que há vinte anos“, diz o psiquiatra Dartiu Xavier, pioneiro no uso médico de psicodélicos no Brasil, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Quando comecei um centro de pesquisa de psicodélicos em 1994, eu era visto como um estranho.”
Xavier, que já trabalhou com o uso médico de Cannabis, agora planeja um dos primeiros testes clínicos com psilocibina no Brasil, e em breve começará a recrutar voluntários. Ele destaca que a confirmação do 5HT2A como receptor da serotonina afetado pela psilocibina abre potencial para uma ação diferente daquela de outros receptores, como o 5HT1A, alvo dos antidepressivos convencionais.
“É por causa dessa diferença de receptor que os antidepressivos comuns precisam ser administrados diariamente. Com os psicodélicos, a administração pode ser feita a cada seis semanas”, diz ele, lembrando que a aplicação deve ser acompanhada por um psicoterapeuta.
Experiência mística
Parte do preconceito em relação ao uso médico da substância vem de sua reputação como droga recreativa. Além disso, psiquiatras argumentam que a experiência psicodélica desempenha um papel no tratamento da depressão, sendo mais do que um mero efeito colateral.
“O tratamento envolve questões psicológicas introspectivas. Em uma pessoa que está deprimida devido a um luto traumático, por exemplo, os efeitos do psicodélico levam a novos pensamentos, novas visões do mesmo problema, e a pessoa se abre para uma intensa psicoterapia”, explica o psicofarmacologista Francisney Nascimento, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), de Foz do Iguaçu, que também planeja um teste clínico com a droga no Brasil.
Apesar de ser necessária uma dose relativamente alta para efeitos psicodélicos, há estudos investigando os efeitos de doses menores de psilocibina.
Outro estudo apresentado no congresso em Washington observou um efeito significativo de doses pequenas em camundongos para tratar estresse pós-traumático, um tipo de transtorno de ansiedade. No entanto, a eficácia foi maior em camundongos machos do que em fêmeas.
Os autores sugerem investigar esse fenômeno em seres humanos. Eles argumentam que o efeito de doses pequenas pode estar relacionado a um fator de proteção neuronal. Segundo Nascimento, a literatura recente destaca o papel importante da proteína BDNF no mecanismo de ação dos psicodélicos.
“O BDNF é essencial para a saúde neuronal, e sabemos que grande parte do processo de depressão envolve a morte de neurônios“, diz o cientista.
Os novos estudos, concluem os cientistas, podem inspirar órgãos reguladores e agências de financiamento a promover mais pesquisas com a droga.[O Globo]
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