Expectativa é que uso clínico de psilocibina em humanos seja liberado em 2024. Segundo OMS, 5,8 % da população sofre com depressão no Brasil.
Usar a substância psicodélica chamada psilocibina para tratar pessoas com depressão é o objetivo de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida por cientistas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná.
Estudos com a substância encontrada em cogumelos não são novidade. Mas, o trabalho desenvolvido no Paraná pode se tornar o primeiro no Brasil a fazer uso clínico da substância em seres humanos.
O acadêmico de medicina Gabriel Curan Pontieri, autor do projeto de pesquisa, explicou que o estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da instituição, parte essencial para o início do ensaio clínico em seres humanos.
“Então a gente está em um estágio apenas de esperar a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) da importação do produto”, explicou.
Atualmente, a substância é de uso proibido no Brasil. Entretanto, a exceção para que possa haver o uso em humanos está, justamente, na aplicação dela para fins de pesquisas e trabalhos, como é o caso do estudo.
A previsão é que o recrutamento de voluntários para o ensaio clínico ocorra entre fevereiro e março de 2024. Com início do uso da substância pelos voluntários a partir de maio. Veja abaixo como deve funcionar.
O estudo, que é orientado pelo professor e pós-doutor em neurofarmacologia, Francisney Nascimento, conta também com a participação de outros médicos, psicólogos, psiquiatras, farmacêuticos, biólogos, estudantes de medicina e do mestrado em biociência da Unila.
Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) estimam que pelo menos 300 milhões de pessoas sofrem com a doença no mundo. No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 5,8% da população tem depressão, o que representa cerca de 11,5 milhões de casos.
Benefícios da psilocibina no tratamento contra depressão
A chamada “doença do século” tem desafiado cientistas, especialmente pelos atuais tratamentos disponíveis que são limitados quanto a atuação química, segundo o professor Francisney Nascimento.
Nascimento explicou que estudos desenvolvidos com a substância psicodélica em países como Estados Unidos e Inglaterra mostraram resultados promissores para tratamento de depressão, entre eles, o alívio dos sintomas da doença.
Outro diferencial, segundo o professor, é o resultado rápido no combate à doença, muitas vezes com pouquíssimas ou apenas uma administração de dose da substância.
Este é, inclusive, um dos grande diferenciais da psilocibina em relação ao medicamentos apresentados até o momento, segundo Nascimento.
“A maioria das pessoas tomando antidepressivo não estão melhores. Os medicamentos atuais são muito limitados, sem contar os efeitos adversos, como perda de peso e libido ou problemas gastrointestinais muitas vezes”, destacou o neurofarmacologista.
O professor detalha, ainda, que os medicamentos disponíveis atualmente para tratamento de casos de depressão atuam apenas bioquimicamente, aumentando níveis de neurotransmissores que são essenciais para o humor.
“A psilocibina se mostra também eficaz para outras percepções, visões como uma intensa psicoterapia […] Além do efeito químico, o paciente também tem efeitos de pensamento, introspecção”, destacou o professor.
Como a substância atua no corpo
O professor Nascimento também explica o funcionamento da substância. Na prática, ela age nas proteínas receptoras presentes no cérebro chamadas 5HT2A, também conhecidas como receptores de serotonina.
Elas ficam localizadas em regiões mais externas do encéfalo do cérebro, como no córtex pré-frontal e também em regiões do sistema de emoções, chamado sistema límbico, responsável por todas as respostas emocionais, como comportamentos e memórias.
“O estresse, o medo e todas as questões que levam a depressão, com o tempo levam a um decaimento do número de neurônios ativos ou sinapses, que são os contatos entre os neurônios, e assim a psilocibina leva a novos dendritos, que são novas porções de neurônios”, explicou o professor.
Quando a psilocibina está no organismo, completa o professor, ela tem a capacidade de agir nos neurônios de diferentes formas, sendo um fator importante no tratamento de depressão, uma vez que as substâncias geradas pela doença no corpo matam as células responsáveis por transmitir estímulos ao cérebro.
“Ela contribui assim, com serotonina [relacionada ao bem-estar], com esse transmissor importante e também fazendo um processo de regeneração, fortalecendo neurônios de regiões específicas e que porventura estejam mortos ou doentes ou disfuncionais e isso implica no comportamento de depressão”, afirmou Nascimento.
Capacidade de adaptação
Outro benefício da terapia a partir do uso da psilocibina é o efeito de neuroplasticidade, que na prática é a capacidade do sistema nervoso central de se adaptar a novas situações, efeito esse que perdura após o uso da substância, segundo Gabriel Curan Pontieri, que desenvolveu a pesquisa.
Para o pesquisador, um dos diferenciais do uso deste tipo de substância está na possibilidade de provocar novas sinapses, que são as novas conexões entre os neurônios e estado mental de flexibilidade cognitiva.
“No cérebro a substância vai aumentar a capacidade de se moldar a novas situações, novos pensamentos, novas concepções, novos aprendizados e nesse processo intuitivo é que eles [pacientes] são capazes de ressignificar traumas, ressignificar crenças disfuncionais de uma forma muito mais intensiva do que numa terapia convencional, que demoraria muito tempo”, explicou o acadêmico.
Como será o ensaio clínico no Paraná
O próximo passo após a aprovação da importação da psilocibina pela Anvisa será o recrutamento de voluntários para o início da parte clínica.
De acordo com os pesquisadores, eles selecionarão 40 pacientes que têm depressão há alguns anos e que não respondem bem aos tratamentos atuais.
Antes do uso da substância, os pacientes passarão por sessões para compreender o processo terapêutico. E, também para que os profissionais possam conhecer melhor cada voluntário.
Após isso, os voluntários receberão a psilocibina em cápsulas, como nos tratamentos convencionais, em uma clínica. Logo após a ingestão, o paciente terá a assistência presencial de um médico e um psicólogo durante 8 horas. Sempre sendo um profissional do sexo masculino e outro do sexo feminino.
“A substância vem em capsula, como medicamente e a administração dessa substância vai ser dentro de consultório, não é algo que a pessoa sai e vai tomando. […] O efeito (da psilocibina) dura aproximadamente entre quatro a seis horas. […] Então oito horas é para garantir que a pessoa saia sem efeito nenhum e acompanhada por alguma pessoa de confiança dela”, explicou Gabriel.
Posteriormente aos teste clínicos, os pesquisadores farão uma compilação dos resultados para mensurar os efeitos da substância nos voluntários. E, irão traçar novos planos para quem sabe, no futuro, a população ter à disposição novas opções para tratar depressão e outras patologias contemporâneas.[Portal de notícias G1]